sábado, 28 de novembro de 2009

Paparico - Grupo Molejo, por Schopenhauer

Não há quem ouça uma música do Grupo Molejo e não sinta no sangue a ginga e malemolência do Brasileiro. É a alegria de qualquer tribo.
Uma das poucas bandas que conseguem agradar a metaleiros, funkeiros, indies, emos, micareteiros, sertanejos e afins. Molejão é amor.

Nos anos 90, Andrezéénho, Andersããão, Claumirziiiinho e Jimmy Batera eram uma espécia de John, Paul, George e Ringo tupiniquins.

Foram muitos sucessos lançados diretamente do Planeta Xuxa para o mundo!
Um dos maiores hits foi Paparico, do álbum de nome criativo Molejo Vol II, de 1995.

Como sempre, uma letra desafiadora aos ouvidos, que pode parecer simples, mas que traz todo um enredo político-social embutido nas entre-linhas.
Molejo nunca foi música fácil, sempre se requer atenção aos pequenos detalhes de uma construção complexa.



Paparico não é uma simples historinha de amor malandro nesse Brasil.

Menina vou lhe ser sincero
Não quero mais te enganar

No início da música, Andersããão já começa exprimindo seu sentimento de culpa ao admitir que anteriormente já havido enganado a sua amada, mas, assim como todo canalha arrependido, prometia não mais lhe enganar. Nesses versos se vê uma clara referência a Um beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues.

Não tenho onde cair duro
Fiz de tudo prá te conquistar
Arranjei um carro importado
Uma beca e um celular

Andersãão, obviamente inspirado em Schopenhauer, diz que o amor é desejo é uma vontade cega, absurda e irracional de desejar algo que, tão logo é obtido, torna-se motivo de insatisfação.
Aqui ele se ilude achando que os bens matérias iriam fazer a donzela se apaixonar. A ânsia de arrumar um carrro importado, uma roupa de grife e um celular mostram bem a superficialidade existente nas relações amorosas atualmente, onde o que importa é o que a pessoa tem.

Na verdade era tudo emprestado
Não tenho nem onde morar...

Nesses versos a realidade cai sobre a cabeça do pobre sambista brasileiro, já fragilizado historicamente por uma infância pobre e uma família desfragmentada que ao tentar criar a sua tem que passar pelo constrangimento de admitir que não tem nem onde morar.

Te ganhei no paparico
Te papariquei!
Quis te dar um fino trato
E me apaixonei!

O desejo de toda mulher é ser bem tratada, arranjar um homem que lhe dê toda a atenção que ela sempre pediu e que supra todos os seus surtos de carência, já dizia Sigmund Freud. Andersãão, quis lhe dar um fino trato, lhe deu toda a atenção, porém, acabou também se apaixonando. Ironia do destino.

Te ganhei no paparico
Mas tô sem nenhum
Por favor amor não pense
Que sou 71...(2x)

Quando estamos apaixonados passamos a nos importar com a opinião da amada sobre nossos atos. Depois de tanta atenção prestada, ele só pede para que ela não pense que ele é mentiroso, usando uma gíria popular de 171. Ele não tem nenhum, mas tem consciência que o amor supera tudo.

Te levei num hotel 5 estrelas
Passei um cheque voador

Nessa passagem convém lembrar o momento econômico pelo qual o Brasil passava em 1995, já que a crise do México abalou o mercado financeiro da América Latina. O Brasil,no governo Fernando Henrique Cardoso, que entrou de cabeça na crise, teve que aumentar os juros sobre a taxa dos cheques, fazendo com que a reserva de capital dos bancos se tornasse menor. Um cheque sem fundos nesse momento seria péssimo para o correntista.
No entanto, quem ama ultrapassa barreiras e uma noite de amor em um hotel cinco estrelas superaria um nome sujo no SPC.

Minha paixão é verdadeira
Faço tudo pelo nosso amor
Menti mas foi de boa fé
Menina sou louco por ti

Aqui nosso poeta entra em claro conflito interno. Em uma referência ao filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, ele atesta que o ser humano nasce bom e se perverte por causa da vida social e do desenvolvimento cultural. A civilização e a cultura tornaram os seres humanos egoístas e violentos, gananciosos e desordenados, a ponto de amar verdadeiramente e mesmo assim mentir para a sua amada.

Mas sou pobre de marre marré
Sou pobre, pobre de marré deci...

Infantilizado e desesperado para se explicar frente a situação inevitável de perder um amor por mentir, Andersãão apela para velhos ditados infantis para sensibilizar a amada.
Ele é pobre, mas mesmo nos piores momentos, mantém a alegria e o otimismo característicos do Brasileiro.

Te ganhei no paparico
Te papariquei!
Quis te dar um fino trato
E me apaixonei!
Te ganhei no paparico
Mas tô sem nenhum
Por favor amor não pense
Que sou 71...(2x) (final 4x)

Enfim, a letra de Paparico tem várias referências filosóficas, mas o enredo todo é obviamente ligado ao filósofo Alemão do século XIX Arthur Schopenhauer, que dizia que o amor é poderoso e sabe enganar o ser humano, consegue iludi-lo, prometendo-lhe uma felicidade que jamais poderá se realizar.

Assim como Andersãão, que tentou enganar de todas as formas a sua amada em busca de uma conquista efêmera. No entanto, a paixão aconteceu e, com o peso na consciência de ter mentido anteriormente, ele se viu obrigado a reconhecer para ela e para si mesmo que é pobre de marré deci e que não tem nem onde cair duro.

O triste retrato das relações superficiais contemporâneas, onde o que importa são os bens materiais e não o sentimento. Schopenhauer sabia disso. E andersãão também.

Pagode Filosófico, por: @ChicoCabron