terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Existencialismo de Sartre em Essa tal Liberdade, do Só pra Contrariar



Influenciado pela música do grupo Fundo de Quintal, Alexandre Pires iniciou um projeto que pode ser considerado um marco para o pagode dos anos 90. Falamos aqui do lendário Só Pra Contrariar, imortalizado com músicas capazes de passar os mais diversificados tipos de sentimentos, da alegria à angústia. Mais do que isso, a rica discografia do grupo permite reflexões profundas a respeito da alma humana. Embora seja possível tecer uma tese inteira sobre a obra de Só Pra Contrariar , nos deteremos aqui na análise da música “Essa Tal Liberdade” e a clara influência de Sartre em sua letra.



Ouçamos os primeiros versos...

O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?
Se estou na solidão pensando em você
Eu nunca imaginei sentir tanta saudade
Meu coração não sabe como te esquecer

A influência do existencialismo sartreano é claramente expressa logo no primeiro verso. Sartre nos dizia que o homem é condenado a ser livre. Pressupondo que a existência precede a essência, ele defende que o ser humano não é definido de uma vez, mas sim precisa definir aquilo que é através de suas escolhas. Mesmo que ele não escolha, já é uma escolha. E a música nos mostra sem demora a angústia diante da liberdade. Vemos sobre a solidão do eu lírico solitário. Uma vez que cada indivíduo deve realizar suas próprias escolhas, fica claro que está terrivelmente solitário nessa condição. Não há quem possa escolher por ele.

Eu andei errado, eu pisei na bola
Troquei quem mais amava por uma ilusão
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Não é assim que acaba uma grande paixão

Aqui os erros são reconhecidos. Para Sartre, a escolha do indivíduo será uma decisão que interfere em todo o mundo. No entanto, nunca deixará de ser uma escolha dele mesmo. Culpar outrem ou pregar um determinismo, em Sartre, significa agir de má-fé. O homem não só faz a escolha, como também precisa ter consciência das consequências de suas escolhas. A música retrata o reconhecimento do indivíduo de sua própria culpa e o mostra consciente daquilo que suas escolhas resultaram.

Quero te abraçar, quero te beijar
Te desejo noite e dia
Quero me prender todo em você
Você é tudo o que eu queria

Uma estrofe emocionante que trata toda a angústia do indivíduo. Condenado a ser livre, seu maior desejo é “se prender todo em você”. O que soaria apenas como uma declaração de amor a um ouvido menos pretensioso, na verdade é um grito de socorro na tentativa vã de sair dessa condição paradoxal de condenação à liberdade.

O que é que eu vou fazer com esse fim de tarde?
Prá onde quer que eu olhe lembro de você
Não sei se fico aqui ou mudo de cidade
Sinceramente amor, não sei o que fazer


Essa estrofe mostra novamente o homem jogado em um mar de escolhas. Pode ficar ali, mudar de cidade ou não fazer nada disso. Mesmo não escolhendo, ainda é uma escolha. Um fim de tarde sem saber o que fazer com uma infinidade de escolhas à sua disposição. O que pode ser mais sartreano?

Eu andei errado, eu pisei na bola
Achei que era melhor tocar outra canção
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Eu troco a liberdade pelo teu perdão

Atenção ao último verso. O desejo do indivíduo é trocar sua liberdade pelo perdão. É uma manifestação clara da angústia pela liberdade. O indivíduo renuncia sua própria liberdade, um bem tão aclamado por muitos filósofos, mas para o existencialista, uma condenação.

Profundo? Mais do que podemos imaginar...poucos artistas conseguiriam expressar o existencialismo de forma tão única quando Alexandre Pires. Simplesmente fantástico.

Nota do editor: meus amigos, recebi esse texto genial (tanto quanto os outros do blog, modestamente) de um sujeito chamado William Ananias Valério. O texto merece tanto destaque quanto o seu nome. Se tu for tão bom quanto o Ananias, me manda um texto no marciopmarinho@gmail.com.

@chicocabron